O que espero de um psicoterapeuta

Apesar das diferenças entre as pessoas e da diversidade das abordagens psicológicas, é possível eleger algumas características desejáveis ao psicoterapeuta.

Certa vez perguntei ao Sensei Yasuyuki Sasaki, 7º Dan, o que achava do fato de haver várias escolas diferentes de Karatê, inclusive dentro de um mesmo estilo (no caso, Shotokan) e se não seria preferível que houvesse algum tipo de unificação, como parece ocorrer em outras modalidades esportivas. A resposta dele foi que estava bom daquele jeito, porque as pessoas são diferentes, e assim cada um podia seguir o caminho com o qual se afinava mais.

Assim é também com tantas outras coisas, talvez com tudo: do lazer às atividades profissionais às religiões e assim por diante. E certamente também nas práticas de cuidado e transformação de si, onde encontramos a psicologia.

A diversidade na psicologia é tal que às vezes nos referimos a ela no plural, “as psicologias”, dado o estranhamento que pode se sentir ao se colocar num mesmo baú corpos teóricos e práticos tão diversos uns dos outros – muitas vezes não coincidindo nem em seus fundamentos nem nos objetivos a que se propõem. Isso tem desdobramentos muito sérios, inclusive potencialmente danosos, mas vou deixar esse assunto para outro momento. Para os objetivos desta breve reflexão basta dizer que aqui também cada pessoa poderá ter acesso à linha de trabalho com a qual melhor se afina (o que se define não só pelo jeito de ser da pessoa em si, mas também pelo seu momento de vida e por o que está buscando com a terapia). E por linha de trabalho não me refiro apenas ao significado amplo da abordagem teórica, mas também ao próprio jeito de ser do terapeuta.

Em outras palavras, para uma determinada pessoa, pelo simples fato de que somos diferentes uns dos outros, somos singulares, o terapeuta A corresponderá melhor ao que ela necessita do que o terapeuta B. Isso quer dizer também que não cabe estabelecermos um padrão único de como todo terapeuta deva ser. Mas, será possível elencar algumas características supostamente desejáveis a todo e qualquer terapeuta, independentemente das suas referências teóricas e das suas características individuais? No Aprimore nos vemos diante de questões como esta com frequência, uma vez que o núcleo de estudos e consequentemente a rede de atendimento são formados por psicólogos de diferentes linhas de trabalho.

Muito bem, até aqui foi para contextualizar. Recentemente fui procurado por um rapaz que buscava referências para uma “escolha adequada” de terapeuta. Ele tinha iniciado uma terapia há pouco tempo (3 sessões) e queria se certificar de que estava no “caminho certo”. Contribuia pra essa situação o fato de um amigo psicólogo (iniciante, se não me falha a memória) ter sugerido que ele conversasse com dois ou três terapeutas para ter elementos de comparação e poder avaliar com qual se sentia melhor (o que às vezes pode ser bom, às vezes nem tanto).

Embora buscasse referências externas, ele estava gostando deste início do trabalho, sua primeira experiência com terapia. Lembrei-o da importância da referência interna que trazia, validando o que ele estava sentindo como critério de avaliação da experiência, mesmo sem outras referências que permitissem comparação.

Acabei traçando alí com ele um esboço do que considerava desejável a um psicoterapeuta, mesmo tendo em mente as diferenças individuais tanto dos terapeutas quanto das pessoas que fazem terapia.

Eu valorizaria os seguintes atributos na escolha de um terapeuta…

Presença. Uma capacidade de se privar das questões e interesses pessoais durante aquele momento em que está comigo de modo que eu o sinta inteiro alí. Conheço um terapeuta que atende o telefone durante a sessão, alegando que isso faz parte da vida e que, em contrapartida, também permite que seu cliente faça o mesmo. Para mim, do modo como eu concebo o momento sagrado da sessão, isso é um grande impedimento para o aprofundamento do trabalho (salvo, é claro, em momentos de urgência – que costumam ser raros – em que realmente precisamos estar disponíveis).

Contato, conexão, empatia. Partem da presença e vão além. Falam da capacidade de uma pessoa entrar em contato com outra, conectar-se verdadeiramente, acolher e fazer empatia, ou seja, compreender em profundidade o que estou vivendo e fazê-lo de modo que eu consiga perceber, me sentir compreendido. Aqui está o que se convenciou chamar de “escuta clínica”, porém redimensionado em sua devida amplitude.

Alguém que não fique calado como uma múmia nem que fale mais do que eu, cliente.

Alguém que, por mais identificado e apaixonado que seja pelas suas referências teóricas, consegue deixá-las de lado para se relacionar comigo a partir da verdade que eclode no instante, a partir do frescor do aqui-agora, em vez de sobrepor seu conhecimento prévio e necessariamente generalista a uma existência que, como todas, é singular e jamais poderá ser reduzida a uma teoria.

Que seja suficientemente analisado e supervisionado para: (1) quando trouxer algum exemplo de sua vida pessoal, o fazer pela sua real utilidade terapêutica, e jamais por necessidade de compartilhamento, testemunho ou admiração; (2) não precisar ficar falando por aí sobre seus atendimentos (“ah, porque eu tenho um paciente que…”); (3) ter um bom trânsito por si mesmo, incluindo sua própria sombra, de modo que também consiga enxergar, até onde isso é possível, a lente através da qual me vê.

Que me transmita segurança e confiança, não só no sentido ético do sigilo mencionado acima, mas também em relação ao seu próprio conhecimento e condição de me ajudar, sem que, com isso, necessite ficar sustentando um lugar de superioridade. Ou seja, noção real de si mesmo e do alcance do seu conhecimento.

Que esteja bem atento e tenha domínio sobre as armadilhas e sutilezas da sedução (não apenas a erótica).

Que seja uma pessoa honesta e capaz de ser verdadeira nos momentos em que isso é mais difícil. Capaz de auto-crítica e coerente com os termos do seu contrato de trabalho.

Que faça um boa articulação entre conhecimento (adquirido com estudo), sensibilidade (capacidade de ser abrir e sentir o outro e a si mesmo) e saber (experiências de vida).

Que, fraquezas à parte, esteja pelo menos um pouco acima da mediocridade habitual do seu tempo e sociedade.

Que seja alguém naturalmente convocado e dedicado ao seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Que, por abertura de visão e ultrapassamento da hipocrisia, não fique julgando nem se choque facilmente com a escuridão humana.

Que seja envolvido e vocacionado para o que faz a ponto de ter o compromisso em oferecer o melhor de si como modo natural de ser e de se relacionar com seu ofício.

Que esteja mais interessado em ver o outro brilhar do que em brilhar ele mesmo, alegrando-se genuinamente com isso, e que entenda “o outro brilhar” como um florescer e um “tornar-se si mesmo”, em vez de tornar-se mais parecido com o terapeuta-suposto-modelo-de-cura.

Alguém que goste de estudar e fale com propriedade, mas que não seja apenas um cérebro ambulante.

Enfim, valorizaria alguém que, independentemente de quais destes aspectos apresenta ou não, eu pudesse sentir mais como espontâneo do que vestindo a máscara do terapeuta compentente.

Em linhas gerais (pra não dizer ideais), isso é o que eu espero de um psicoterapeuta, inclusive de mim mesmo. Poderia continuar esta lista mas acho que por ora está bom. Já dá bastante material. Talvez sirva de referência para alguns, estejam eles no “divã” ou atrás dele. Sei também que com essas palavras deixo a barra alta para muita gente saltar, mas, aqui novamente, acredito que o mais importante seja a intenção sincera de dar o melhor de si, ainda que falhemos ocasionalmente neste e naquele aspecto. E, afinal de contas, faz parte do ofício do psicoterapeuta, assim como em qualquer outro, desenvolver as habilidades requeridas pelo seu trabalho, embora, neste caso, estejamos falando que algo que a formação universitária não provê e que, portanto, tem que ser buscado por conta própria (essa foi uma das razões que me levou a trabalhar com formação de terapeutas).

Para quem está buscando um terapeuta, sugiro não deixar que as referências se tornem uma obsessão. Lembre-se que uma parte grande da vida a gente não controla; ela tem a ver com o mistério, algo “mágico” que faz com que, na maior parte dos casos, a gente vá parar naquele que “tinha que ser” nosso terapeuta mesmo, e muitas vezes já na primeira tentativa. Na dúvida, por que não fazer uma experiência, digamos umas quatro sessões? Possivelmente você saberá se já chegou onde deveria estar ou ainda não. Gosto mais disso do que das entrevistas paralelas para efeitos de comparação. Boa terapia!

Curta e Compartilhe:
× Quer conversar?