O que alguns desacertos me ensinaram este ano

Muitas coisas na vida não acontecem como planejamos e gostaríamos que acontecessem. Mas, entendo que invariavelmente nestes casos há uma lição sendo ofertada – precisamente uma que precisamos aprender.

No mundo dos projetos, isto se relaciona ao velho continuum planejamento-ação-avaliação, que será útil tanto para que uma determinada coisa continue acontecendo com êxito, quanto para sabermos se é hora de mudar a direção.

Isso é o que eu vim fazer aqui: olhar um pouco para algumas coisas que não saíram como eu esperava durante o ano e ver o que posso aprender com elas. Algumas destas coisas – senão todas – a gente já sabe, são até óbvias, mas nem sempre isso é garantia de que conseguiremos evitá-las (às vezes a ficha precisa cair de novo ou em outro nível).

Planejamento

A vida é imprevisível. Com frequência nos iludimos deste aspecto porque ele nos angustia, procurando “estabilizar” a realidade em vez de ficarmos em contato real como o instante vivido que, em essência, é sempre um novo que eclode a cada momento.

Em função desta tendência a querer estabilizar a realidade, precisamos ficar atentos ao pensamento indutivo (do particular para o geral), que nos leva a acreditar que desta vez vai ser assim porque das vezes anteriores ocorreu deste mesmo jeito. A rigor, não existe nada que garanta que o modo como as coisas foram até hoje se repetirá amanhã.

Então a primeira coisa que podemos fazer é nos harmonizarmos com este aspecto de imprevisibilidade da vida, aceitá-lo tão serenamente quanto possível (a alternativa é níveis potencialmente crescentes de angústia, ansiedade, medo, controle obsessivo, etc.).

Obviamente isso não quer dizer que não devamos planejar as coisas, já que elas podem sair de outro jeito; mas sim que devemos incluir este dado no planejamento. E se isto não der certo? E se aquilo não acontecer? E se tudo sair diferente do esperado? O que vamos fazer? O que podemos fazer? Vale muito a pena ter algum tipo de plano B ou mesmo C. Exemplo: um convidado chave do evento ficou doente ou teve um imprevisto e não poderá vir; o que fazer? Um número muito inferior ou superior de participantes compareceu; como lidar com isso? Alguém se comportou de modo inesperado e perturbador; o que pode ser feito em casos assim? Claro que não dá para isolar todas as possibilidades, mas se pudermos considerar previamente algumas de maior peso em nosso planejamento, pode ser de grande ajuda dependendo do que ocorrer. Diferentemente da paranóia, este seria um uso razoável da nossa capacidade de antecipar possibilidades.

Equipe

Neste sentido, é importante que as pessoas envolvidas na organização (seja de um evento, seja de um projeto mais duradouro) estejam alinhadas em relação aos objetivos, expectativas, papéis e limites de cada um, entre outras coisas. Novamente algo que parece desnecessário dizer, mas que muitas vezes dá mais trabalho do que se supõe e pode ser fonte de dor de cabeça logo adiante. A diversidade e as diferenças individuais podem trazer algo muito rico, mas se não houver alinhamento em relação a alguns elementos básicos, há uma boa chance da parceria não ser produtiva. Além disso, em projetos que envolvem outras pessoas, precisamos ficar atentos às nossas tendências egoístas, que acabam colocando interesses e necessidades pessoais à frente dos coletivos e podem gerar dispersão do grupo e inviabilização dos objetivos comuns.

Presença

Outro aspecto que decorre do exposto e faz contraponto com o planejamento é a importância da presença e da atitude. Se a vida é imprevisível, se cada instante é o novo que chega, e se o planejamento não é senão um mapa ou roteiro, a melhor carta que podemos ter na manga para as eventualidades (a bem dizer para todos os momentos) é nossa capacidade de presença e de resposta ao que está se apresentando a partir da nossa sensibilidade. Há momentos que desafiam qualquer plano, A, B ou C! Esteja preparado para o inesperado – até porque, com a aceleração das mudanças no mundo, cada vez mais ele será a regra (ou como diz Harari, “mudança é a única constante”).

Por exemplo: num evento onde uma pessoa está atrapalhando as demais, é provável que devamos agir de modo a privilegiar o grupo e o andamento das atividades conforme planejado, fazendo o corte necessário. Já em outra situação, é possível que as circunstâncias que envolvem uma certa pessoa justifiquem a mobilização de todo o grupo, alterando a rota planejada em função de uma prioridade humana maior. Há imprevistos que são mais importantes que o planejamento.

O desafio do diálogo

Aprendi também este ano que há falas que abrem e falas que fecham (as expressões vem da minha amiga Nany Di Lima, especialista em comunicação humana). Uma fala que abre (no meu entendimento) seria aquela em que você consegue colocar seu ponto de vista lembrando que está no meio de outras pessoas e que o objetivo é a reflexão coletiva saudável, argumentada, o exercício do diálogo, da convivência com as diferenças. Uma tal fala, mesmo partindo de visão contrastante, dá espaço para os outros e acontece em nome da união. A fala que fecha, por outro lado, não contribui para este tipo de interação onde 1 + 1 = 3, despertando nas pessoas reações desfavoráveis à sinergia. Num cenário polarizado como o atual, falas assim são bem frequentes e acabam estimulando mais a desunião e o desentendimento do que auxiliando a resolver os problemas dos quais se ocupam. Numa atividade de reflexão dialogada (tal como uma roda de conversa, uma apresentação com espaço para perguntas e comentários, ou uma supervisão clínica), esta diferença poderia ser lembrada já no início, explicitando o espírito da proposta de trabalho.

Neste sentido, vale a pena observar a dinâmica de uma roda de conversa: a sequência de colocações e assuntos que vão surgindo; os efeitos de uma determinada fala no grupo (seja pelo conteúdo, seja pelo modo como ele foi colocado); a distribuição do tempo de fala para cada um; e se estamos conseguindo caminhar em direção aos objetivos estabelecidos, etc. Uma parte desta dinâmica é mais evidente, outra mais sutil. Aqui entra tanto o planejamento quanto a sensibilidade, para, como um DJ, o facilitador poder sentir qual música a pista está pedindo a cada momento.

Fazendo a limonada

Escrevi isto para me ajudar a organizar pensamentos e frustrações, uma vez que estas experiências demandaram bastante tempo e energia durante o semestre. Em resumo, (1) a importância de alinhamento adequado nas parcerias, (2) planejamento mais consistente e (3) grau de presença, atitude proativa e sensibilidade no momento vivido. Quem sabe sirva para mais alguém. Vale notar que, num sentido maior, que não caberia neste espaço, as experiências por trás desta reflexão estão ajudando a definir uma direção para o próximo ano. Na ordem maior das coisas, acredito que nada seja por acaso. É a vida conversando com a gente o tempo todo.

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